sábado, outubro 08, 2005

História Perdida


Estranho pensar que aquela tarde já estava chegando ao fim. Podia lembrar com perfeita exatidão de cada detalhe acerca do que aconteceu, o que conversaram, as coisas que viram... tudo.

Não queria sair naquele dia, nem estava com tanta vontade assim. Ligou dias atrás para seu amigo para marcarem de se encontrar um dia desses, colocarem a conversa em dia, já que fazia tempo que não fazia aquilo... mas acordar no sábado com um telefonema dele, perguntando se podia ser justamente hoje, não estava nos seus planos.

Não que estivesse reclamando. Quando pensava que não queria sair, não era no sentido de que odiava a idéia, mas... sabe quando você está naqueles dias em que não quer sair de casa, prefere ficar na cama, vendo filmes, jogando videogame e baixando filmes educativos no computador? Pois bem, era o caso, mas como tinha noção de que talvez não tivessem uma outra oportunidade tão cedo, resolveu ceder e aceitar a oferta.

Não fora uma tarde desagradável, pelo contrário: Celes era um velho amigo e, na verdade, era difícil terem um tempo para colocarem as conversas, segredos e confidências em dia, os velhos papos de todos os anos que, com as responsabilidades, os compromissos e contratempos da vida, vão ficado sem tempo para serem compartilhados. Mas ele sabia o motivo do convite justamente para aquele momento, na verdade, do grande interesse dele.

Conversaram sobre muita coisa, muitos assuntos, muitos pontos. Coisas que estavam acontecendo, o que outros amigos estavam fazendo da vida, o que cada um estava fazendo da sua própria vida, enfim, como se fossem dois amigos que não se viam há anos - não tanto, obviamente, mas há considerável um tempo - apesar de morarem na mesma cidade e seus itinerários diários cruzarem um com o outro freqüentemente.

Foi um passeio proveitoso. Tinham marcado de se encontrar em frente a Siciliano, que ficava dentro do Edifício Avenida Central, no Largo da Carioca, sob a vista do eterno mosteiro de padres franciscanos. Passaram alguns momentos conversando ali dentro, sendo envenenados pelo cheiro industrializado do fast food local até que, forçados a saírem por forças superiores - o horário de fechamento do local devido ao fato de não ser dia útil - começaram a caminhar lentamente, bem lentamente.

Alguns passos e já estavam na Praça XV, Não lhes escapando o fato de que aquele local estava relativamente movimentado para um final de semana. Depois das obras naquela localidade e do desvio para o subterrâneo do trânsito, skatistas e outros esportistas aproveitavam o imenso espaço que ficava em frente às barcas para se divertirem.

A conversa rendeu dali por diante. Mesmo quando adentramos no Museu da Marinha e fizemos uma rápida visita ao submarino - diga-se de passagem, uma das maiores piadas locais depois que, em certo dia, "afundou" - a conversa já tinha tomado um rumo definitivo: escrever. Há tempos Celes batia na mesma tecla, me convidando para rachar uma obra literária com ele, usando diversos argumentos - muitos dos quais, totalmente justificáveis - e dentre eles, o meu favorito era "precisamos de um re-avivamento literário infantil por aqui. Nem só de Harry Potter's vivem as crianças, nossa cultura tem potencial para histórias de aventura, ação e tanto mais para incentivar as crianças do país, sem terem que apelarem para o que vem de fora”.

Confesso que, mediante tais argumentos, fica difícil dar uma resposta à altura mas, como falei, é ver para ver no que isso vai dar. Mas até que as idéias que trocamos naquele dia foram muito proveitosas. Claro que ter visto uma pequena peça no Museu da marinha dirigida para crianças teve sua parcela de culpa, mas... fazer o que, né? Inspiração vem e vai, e é melhor pegá-la quando ela passa perto de você, antes que ela vá embora e não volte tão cedo.

- Celes... que prédio é aquele? - perguntei por mera curiosidade, logo após termos passado na volta pela Praça XV, atravessado a Rua Primeiro de Março e visto um prédio bem antigo de estrutura colonial.

Claro que antes uma placa na Primeiro de Março que eu nunca tinha visto antes me chamou a atenção.
- Sei lá - ele respondeu sem a menor cerimônia. Estávamos no inicio da Rua Sete de Setembro e eu sequer imaginava que prédio, melhor dizendo, construção/casarão era aquele. - Por que quer saber?

- Fiquei curioso... nem imagina?

- Nops, deve ter sido alguma coisa no passado.

- Dãaa! Gênio, claro que foi alguma coisa, ainda mais no centro da cidade! Tem cara de ter sido algo a ver com comércio, Direito ou sindicato.

- Nossa, que previsão perfeita! Mãe Diná que se cuide!

- Engraçadinho! Fiquei curioso!!! Eu não sei que prédio é esse!

- Mas por que a curiosidade, ora pois?

- Ah, curiosidade mesmo, né? Pombas, aposto que no tempo dos nossos avós, alguém não saber que prédio era esse devia ser motivo de zoação!!! O cara seria chamado de burro!!

- Provavelmente. Com o tempo as pessoas esquecem das coisas, dos nomes dos lugares - eu parei, olhando para trás e observando os arredores. Uma rápida análise revelava que aquela área do Centro urbano do Rio de Janeiro já fora mais do que aparentava ser – O que foi?

- Nada, eu... fiquei preocupado. Sei pouco sobre este lugar.

- Como não, ora pois? Aqui é a Sete de Setembro, se virarmos à direita, vamos sair na Rua da Assembléia, seguindo em frente vamos dar de cara com a Rio Branco, seguindo mais um pouco, cruzamos com a Uruguaiana e no fim, com a Praça Tiradentes e...

- Não Celes, quer dizer... bateu um aperto aqui.

- Sobre o prédio?

- É... a gente não tava falando há pouco sobre a cultura do país, sobre valorizarmos a nossa cultura? Bem, a história entra junto nisso, não acha? E como podemos falar disso, se nem ao menos conhecemos a história de um lugar.

- Hmmm... é verdade... a maioria das coisas que eu aprendi sobre o Centro da Cidade foi na escola, mas só por alto. Os movimentos estudantis, as intervenções militares, os ataques, os prédios do governo... mas não dos detalhes.

- A história local. Fiquei um pouco assustado com isso agora.

- Eu também - Celes continuava andando, enquanto nos aproximávamos da Avenida Rio branco - agora que você tocou no assunto... as pessoas vão se esquecendo das coisas, dos lugares.

- E eu não sei? Quando a gente passou na Primeiro de Março, vi uma placa falado sobre aquela rua, algo a ver com a Guerra do Uruguai ou do Paraguai, algo assim... eu nunca tinha estudado nada disso na escola, nunca. Quer dizer, não me refiro as guerras, mas sobre a história de cada rua. Cada rua conta uma história... a gente só aprende as coisas por alto, mas não os detalhes, as coisas mais importantes. Que rua é essa? Sempre teve esse nome?

- Rua Direita, eu acho.

- Como?

- A Primeiro de Março, acho que se chamava "Rua Direita".

- Tirou essa do fundo do Baú, heim!!!

- Fora que Estácio de Sá fundou a cidade em primeiro de março de 1565, lembra?

- Disso eu sei... mas eu acho que a origem do nome não é por ai. O que eu quero dizer é que fiquei um pouco assustado com isso de, aos poucos, perdermos nossa cultura, nossa identidade. Por acaso o Brasil não é feito de pessoas e lugares, cada lugar com sua história local, contribuindo como um todo. Se hoje não sabemos o que aconteceu onde moramos, o que dirá de amanhã?

- Você comentou algo assim por e-mail sobre o seu bairro...

- E me assustei! Estava caminhando outro dia pela Quinta da Boa vista, lembra? Era só um passeio quando, do nada, encontrei uma placa praticamente escondida e sem nenhum destaque, na qual dizia que aquele local aonde a Família Real habitou e todo o Bairro Imperial eram, bem... uma aldeia. Pode imaginar quantos índios viviam ali?

- E você não sabia disso?

- NÃO! Nunca soube, nem na escola aonde fiz o primário contaram isso... por quê?

- Não devem ter achado importante ensinar isso para a gente.

- Quantas pessoas sabem disso? Nem uma estátua, um referencial... apenas uma pequena placa abandonada, largada em um canto esquecido e quase que totalmente coberta pelo mato. Sabe como eu me senti na hora? Comecei a prestar atenção em quantas pessoas de feições que antes eu julgava serem de orientais vivem por ali, todos descendentes de índios.

- Isso me lembra aqueles livros do tipo "Santana do Agreste conta a sua história", aonde as pessoas contam a história de sua cidade. Isso é bastante comum em cidades do interior, onde todos se conhecem e a tradição é passada de boca-em-boca.
- Uma tradição que foi se perdendo por aqui. Minha mãe não sabia da aldeia. Nem meu pai. Literalmente falando, é história perdida daquele lugar.

O assunto já tinha se tornado o foco da conversa, justamente quando eu achara que a tarde estava para terminar. Perdemos a hora, a noção de quanto tempo ficamos debatendo sobre aquilo. Conhecíamos um ao outro o suficiente para sabermos que tal assunto nos acompanharia por um longo tempo, sendo revivido constantemente. Bem ou mal, ambos tínhamos uma veia patriótica afiada, pronta para defender o lugar aonde morava, e aquilo era um assunto que me incomodava... que nos incomodava.

O que aconteceria dali por diante? Ia totalmente contra o conceito que eu tinha de que as pessoas precisavam entender o que aconteceu no passado para evitarem os erros do futuro. Se formos incapazes de preservamos as origens de um lugar, a ponto de a deixarmos ser perdida pelos anais da história, o que diria da história de nosso país?

Uma pessoa havia dito que um país é feito de homens e letras. Deveria ter acrescentado que também é feito do conhecimento que as pessoas que vieram antes de nós deixam para aquelas que estão pro vir. Conhecimento que, pela atual conjuntura, estava se tornando parte de um passado esquecido.

Ou, se dependesse dele, quase.

Qual fora o nome de sua rua? O que era antes o Largo da Cancela e do Pedregulho? E o que mais a vinda da família real destruiu da história daquele lugar? Seria interessante descobrir, pensava. E, pensando bem, vendo as coisas por esse ponto de vista, talvez nem tudo estivesse perdido, afinal, de uma simples conversa, lhe fora despertado um interesse que antes ele não possuía. E, enquanto houvessem pessoas com essa vontade de manter viva a memória de um local, por igual tempo ela existiria.

Pois mesmo que se passassem anos e anos, pessoas nascessem e morressem ali, era um morador do Bairro de São Cristóvão, e o seu simples interesse em saber de sua origem, suas lutas e seu desenvolvimento, era uma prova de que o trabalho que muitos que vieram antes dele - que se preocuparam em deixar algo registrado de alguma forma, para que os que viessem depois soubessem tudo o que aconteceu, como surgiram – não foi em vão.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Oii!
Q lindo! @.@ Mt perfeitooo
Adorei! /o/
Escreva um sobre uma garota de nome Marianne apaixonada por um Yuri... E indecisa por um Bernardo! \o\
huahauha! ZOA! ZOA!
Mt linda! Adorei!
bjss!
Teella

5:46 PM  
Anonymous Anônimo said...

Nossa... já mencionei sobre ser sua fã? Mto demais! *.*
Qdo crescer quero saber escrever igual ao senhor! ;___; rsrsrs
Bjinhs e parabéns!

8:58 PM  
Anonymous Anônimo said...

Fala, sr Joao^^
Estou salvando aki no meu pipokeiro pra poder ler direitinho depois^^ mas linda img!
Bjins!

12:09 AM  
Anonymous Anônimo said...

Eu nunca entendi o significado da expressão "diga-se de passagem", ou se sei, me esqueci! =) São vários lugares que eu não conheço, e alguns que nem ouvi falar, mas é legal conhecer através da sua visão que mostra mais que uma simples paisagem.Você tem muitos fãs hein =)Bjus =*

11:28 PM  

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