segunda-feira, outubro 17, 2005

Ir e Vir

- Não.

Olhos marcados, conseqüência natural da vida que levou, se recusavam a enxergar além do que conseguiam vislumbrar. Não por serem incapazes de tal ato, mas por saberem há muito o que se encontrava além e aquém.

- Tá.

"Tá"? Isso não era resposta. Talvez um "entendo", "respeito sua opinião" e até um "você é quem sabe"... mas não um "tá".

- Então, "tá". O que você vai fazer?

- Ficar por aqui mesmo.

- Aqui?

- Sim. Posso?

- Tá, né... digo... sim, não tem problema, pode ficar por ai, não vou a lugar algum mesmo, nem está me incomodando.

- Nãozinho? Tá okay, vai um chocolate?

- Tá, herrrr.... Sim, aceito. Desculpe se não tenho nada para te oferecer, okay?

- Tá.

- Não tem problema? Tá tudo... digo, tem certeza?

- Aham. Não tem problema não, eu estou bem - e se senta no chão, cruzando as pernas.

- Então, tá... Argh!!! - ela bate em sua cabeça. Aquele vicio de linguagem iria se tornar sua perdição - e o seu dia, como foi?

- Foi bom, correu tudo sem problemas, e o seu?

- O meu foi normal, sem nada de especial, tudo tranqüilo.

- Tá.

-...

-...

- ...

- ...

- ... Vai fazer o que amanhã?

- Caminhar um pouco, a estrada é longa e eu tenho pressa em chegar aonde preciso chegar.

- Se está com pressa, por que não vai logo? Não está perdendo tempo aqui?

- Mas eu estou andando, não percebeu? E você também.

- Tá.

- ...

- ...

- ...

- ... como assim, está andando? Estamos parados, não estamos?

- Sabe o que é rotação e translação, não sabe?

- Bobo! Não me refiro a isso, mas... hmmm.... ah, você entendeu! Como posso estar andando, se estou parada?

- O mundo está em movimento. Você está nele. O mundo gira em torno de si mesmo. E além disso, ao redor do Sol.

- Isso não conta como movimento.

- Claro que conta. Só por que você não aceita uma coisa, não significa que ela deixa de existir.

-Obrigado.

- Tá.

- Grrr! Importa-se de parar com isso?

- Isso o que?

- Esse seu vicio de linguagem!

- Venha até aqui e me faça parar de falar.

- Péssima tentativa, moço.

- Você não quer sair dai mesmo? Vai ficar parada ai o resto da vida?

- Não.

- Ah, então pretende se levantar em algum momento?

- Sim, pretendo sim, mas não agora.

- E isso seria...?

- Algum dia.

- Essas suas frases são capazes de levantar até um defunto, sabia?

- Se não tem paciência, pode seguir seu caminho. A estrada é grande, não tenho tanta pressa assim e não vou te odiar por isso.

- Opa, opa, opa... algum problema? Falei algo que não devia?

- Não, moço. Você não falou, é de sua índole ser assim, não precisa se preocupar.

- Mas o que foi que eu fiz, então?

- Nada, pode ir, não vou te impedir.

- Ai ai... vem comigo, moça! Ficar ai parado o tempo todo não vai te levar a lugar algum. Olha só para a estrada, linda, reta... infinita! Vamos, não tem curiosidade em saber o que tem além dela?

- Não, moço - ela lhe dá as costas, fazendo o mesmo para a estrada - eu não quero.

- Não quer sair daqui, ou não quer seguir pela estrada?

- ...

- Eu acho que toquei em um ponto chato, mas tudo bem, sutileza nunca foi o meu forte mesmo.

- Você é sutil sim, mas também é muito insistente, meu caro, e não se toca quando está passando da conta.

- Tá dentro do pacote!

- Não, moço... e não insista, eu não vou. Não quero, não pos...

- Hã-hã! Diga que não vai, não quer, mas nunca que não pode. Nós sempre podemos fazer o que queremos, sempre.

- Definitivamente nós levamos vidas completamente diferentes, moço.

- Pode me apontar a diferença?

- Eu já ouvi essa história antes, não insista, por favor. Sei o que vem por ai, sei o que vou encontrar logo à frente.

- Sabe? - ele observa a longa estrada que sumia diante de seus olhos - A vida é cheia de surpresas e...

- Eu já passei por isso antes, moço. Enquanto você enxerga um pedaço da reta, eu já a vejo por completo... conheço esse caminho, essa estrada, e não quero segui-la novamente. Sei dos buracos, dos deslizes, das depressões e das dificuldades que eu irei enfrentar se seguir esse caminho, ainda mais com você.

- O que tem eu?


- Tudo. Está assim, animado, empolgado... mas a estrada é longa, a reta é duradoura... uma hora você cansa. Está alegre, empolgado... mas os buracos no meio do caminho vão te irritar, a chuva incessante vai diminuir seus ânimos e, se ainda assim nada disso for o suficiente, os campos verdes, as montanhas infinitas, as quais sempre estarão do seu lado acompanhando-o para onde for independente do quanto ande, o aborrecerão, chatearão e, por fim, o farão desistir. E quando isso acontecer, serei eu mais uma vez seguindo sozinha por essa estrada, desiludida por que me dei ao luxo de acreditar que poderia ser diferente, que essa história não teria o rumo de antes.

- Moça...

- Eu sei o que está pensando... esta pensando que eu sou uma fraca, que tenho medo. Pode falar, acha que eu sou uma covarde, não é? Eu sei disso, nem tenho como te culpar, não é a primeira vez que isso acontece.

- Moça...

- Você sabe o que é fazer planos e interrompê-los? Eu prefiro ficar aqui onde estou, moço. Sem planejar, sem pensar mais a frente do que deveria... sem me ferir e me machucar. Pode falar, eu sou uma boba, não sou?

- Eu sequer posso dizer uma coisa dessas, mas... você não pode dizer uma coisa dessas.

- Moço... você prestou atenção no que eu acabei de dizer?

- Prestei, sim! Mas o que você quer que eu faça?

- Eu acho melhor pararmos, antes que comecemos algo que nos faça muito mal.

- Você acha que eu penso mal de você?

- Não, moço... mas eu ando devagar e, muitas vezes, por caminhos diferentes dos que eu quero, mas sim os que são os melhores e mais adequados a serem seguidos. Mesmo que eu me levante e resolva seguir essa estrada, por quanto tempo você vai andar comigo? E quando você se cansar de andar sempre pela mesma estrada, ver as mesmas paisagens e resolver tomar outro caminho, mudar de direção e eu não puder ir com você?

- Já parou para pensar que talvez eu tenha pensado nisso?

- Você não está entendendo... você fala isso agora, mas eu já trilhei esse mesmo caminho várias vezes, estou nessa estrada há anos.

- Eu também.

- Não, não está. Você pula de estrada em estrada, volta para antigas e conhece novas.

- Já parou para pensar que eu possa ser capaz de entender o seu drama?

- Eu já ouvi isso antes, moço... muitas vezes. Não é que eu seja teimosa...

- ...é que você não quer se machucar, andar e se dar conta de que está sozinha, como tantas outras vezes. Tá, entendo o que você quer dizer. A sua estrada é longa, muito extensa, se perde no infinito e, mesmo que não tenhamos nos encontrado antes, eu já passei por aqui, minto, vivo passando por aqui. Eu vou para lá, volto para cá, mas algumas estradas você não pode evitar, sempre está passando por elas novamente. E novamente. E novamente. A minha estrada pode parecer mais ampla do que a sua, mais "livre", mas ela tem também seus poréns, porque se por um lado eu tenho a opção de escolher estradas melhores e mais curtas, por outro eu tenho justamente o peso da escolha e ter que arcar com as conseqüências delas.

- Pelo menos você pode fazer suas escolhas baseada no que você quer, não no que PRECISA ser feito. Pode se dar ao luxo de sair e escolher para...

- Também não é assim... talvez eu não enxergue tão longe o caminho que eu tenha pela frente como você faz com o seu, mas não significa que eu seja descuidado, pois a mesma cautela que você tem por saber onde pisa, eu tenho justamente por não saber onde piso, dando um passo de cada vez, conhecendo melhor o caminho. Se por um lado você abdica parcialmente do seu direito de total escolha e livre consciência pelo bem da segurança, eu opto por arriscar o desconhecido. Perigoso? Tanto quanto a sua estrada, pois ela carrega um grau de responsabilidade tamanho que me obriga a pensar em cada passo, cada movimento, cada caminho paralelo e transversal que passa diante de mim, fazendo-me pensar calmamente e atentamente se é válido mudar minha direção ou seguir em frente, independente do quão tentador a outra estrada possa vir a ser.

- ...


- Sabe de uma coisa? Vou te contar um segredo: a menor distância entre dois pontos é uma reta... mas o que têm além dessa reta? Tem muito verde, montanhas e chuva. Mas nem sempre o verde é apenas verde, podemos encontrar vales no meio deles. As montanhas não são todas iguais, não vê o "Dedo-de-Deus" para provar a beleza das montanhas e das serras? E o que te faz pensar que toda chuva é um temporal? Nós moramos na terra da garota, e o Pedrão nunca esquece da gente depois que termina de lavar sua cidade favorita. E depois... quem disse que essa reta é infinita? Quem disse que tudo vai ser igual às outras vezes, que sempre será a mesma coisa sempre... e sempre? Lembre-se que toda pista, por mais extensa que seja... tem suas curvas. E a cada curva que você toma, a cada parada, você nunca sabe o que vai encontrar. Pensando bem, você pode até tentar, mas nunca saberá todas as surpresas que vai vislumbrar e...

- Você fala demais, sabia? - ela passa um "zip" na boca dele, fechando-a - já entendi o que você quis dizer desde a parte do "independente do quão tentador", viu.

- Hmgmhmgmmggh!

- Bobo!

- Ok - ele se afasta um pouco - eu vou ficar um tempo aqui mesmo e...

- Pra que? - ela se espreguiça, ajeitando seu cabelo e olhando para a estrada - Já descansei bastante, e ainda tenho muito que andar. É perda de tempo ficar descansando mais do que isso, já que o mundo gira e a gente, junto com ele.

- Posso acompanhá-la, moça? - Ele estende seu braço em sua direção. Ela o olha de lado, sorrindo de forma meio matreira, meio infantil para ele, alternando para uma expressão série e, por último, descontraída.

- Tá.

Fim.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ficou bem explícito seu texto. Demonstra sutilmente que devemos olhar melhor a estrada que percorremos e que não devemos ficar parados lamentando. Sendo que está do nosso lado, nossa felicidade não eterna... Mas imortalizada pelo momento.

João você escreve bem, e está seguindo um rumo totalmente diferente do qual conheci.

Parabéns para ti e para sua Princesa.

Beijão!

10:17 PM  
Anonymous Anônimo said...

Sem palavras, minino! Mto, mto, mto bom mesmo. Nossa, amei muito esse texto... Tava precisando ler algo do tipo ^^"
Parabéns! Como não me canso de dizer: sou sua fã!!! =)
Bjinhs

9:24 PM  
Blogger Ana Carolina said...

Tá...




...muito bom. ;-)

12:01 AM  

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