quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Aquele que caminha

O cavaleio andante anuncia que não está de volta, já que nunca se ausentou de verdade, mas que continuou trilhando de forma imperceptivel para tantos os velhos caminhos de sempre, cruzando fronteiras e atravessando vidas, e que agora freou subitamente seu ritmo para observar os que o acompanham e os que ficaram para trás.

domingo, dezembro 04, 2005

O Valor de Um Fracasso

O que nós chamamos de fracasso, de derrota? O que é perder, o que é não atingir um objetivo?

Fracasso é fracasso, você tentou algo e falhou miseravelmente. Derrota idem, associe essa palavra a "perdedor" e terá uma explicação muito boa em termos de competição. Pelo menos, se relevarmos o que a sociedade como um todo nos mostra.

O que é perder? Para entendermo isso, primeiro vamos entender o que é o inverso, ou pelo menos poderia ser considerado como o inverso, "ganhar".

Ganha-se dinheiro - menos do que esperamos - mas também ganhamos problemas. Você pode ganhar felicidade, mas pode ganhar muita tristeza. Ganhar tem um sentido amplo, seja para o positivo quanto para o negativo, afinal, quem nunca aqui ganhou um elefante cor-de-rosa? Pela lógica do sentido que dá-se a perda, "ganhar" deveria estar relacionado a algo bom, algo maravilhoso, mas como qualquer um provavelmente já teve a chance de comprovar, ambigüidade e ironia são uma das peças chaves que fazem a vida ter graça.

Voltemos ao "perder". Perde-se dinheiro - muito mais do que conseguimos ganhar, fato comprovado por cientistas, estudiosas da economia e empresas de cartão de crédito - perde-se a oportunidades, eventos e situações. Perdemos a chance de ficarmos calados, assim como perdemos o ônibus pela manhã - comparação impressionante.

Mas nem só de tristezas e desilusões são as coisas qeu envolvem o "perder". Perdemos muito mais durante o dia do que somos apazes de nos dar conta, e mesmo assim não ficamos reclamando, afinal, não nos damos conta! Perdemos a noção da hora quando estamos fazendo algo incrivelmente interessante - ou, pelo menos, que seja capaz de prender nossa atenção.- perdemos a conta do quão importante um segundo pode vir a ser para cada um de nós. Perdemos o nascer do sol, mas não sentimos vontade de por um fim a nossas vidas por causa disso.

Inevitavelmente, dia-após-dia perdemos alguma oportunidade, por menor que ela seja. Perdemos a de ficar calados - já citada e essencial a nossa sobrevivência pelo nosso tempo de existência - perdemos a fatalidade que quase nos atinge, seja pelo carro que quase nos atropela, trazendo para outros o destino que provavelmente nos era devido, assim como perdemos a maravilha de tudo o que ocorre ao nosso redor, que independente de quanta atenção nós damos, ainda assim, não deixa de acontecer. Perdemos o sorriso daqeuele que espera alguém para recebê-lo, assim como perdemos a simplicidade de um "bom dia", expressão intima e pessoal de cada um, o qual acaba sendo compartilhado com todo o mundo que resolve "perder" um pouco do seu tempo para ouvi-lo.





O que é o fracasso, além do objetivo não atingido, da nota perfeita não conseguida, do segundo lugar conquistado, do sonho despedaçado?

Algum dia daremos mais valor ao fracasso, e entenderemos que ele não é sinônimo de perda, tampouco ambos significam o fim da linha. Algum dia, quando cada um assim o puder, vamos entender que "perder" também é "ganhar", e será nesse dia que entenderemos que, diferente de tudo o que acabamos aprendendo na escola - da vida - a vida nao se resume a perder e a ganhar, tampouco é uma competição.

Pois diferente de um "falhei miseravelmente", o fracasso pode significar um "eu não consegui", dando-nos tempo para pensar, refletir, agir e planejar melhor o que passamos e o que faremos dai por diante. Pois é o fracasso que nos coloca em prova, nos mostra onde erramos, onde pecamos e, o mais importante, onde melhoramos.

Perder de vez em quando é bom. Faz com que a vida não seja tremendamente monótona, tomada por uma sequência de atos e fatos previsiveis a cada esquina, sem surpresa nenhuma além daquilo que não conhecemos.

Perder... há a crença de que a perda é algo que não deu certo, que é o trabalho perdido, o tempo desperdiçado, o objetivo não alcançado. De que batalhamos arduamente por por algo que não foi finalizado, o sonho amado não concluido, o futuro, despedaçado.

Engana-se quem pensa assim. O mundo é uma sequência não de perdas e ganhos, mas de uma eterna troca, na qual você oferece algo para receber uma coisa de igual valor. Minto, não uma coisa, mas o equivalente de igual valor. Um estudante que se dedica até o limite para passar em um concurso, paga o preço do esforço e do sacrificio, abdicando de horas de sono e minutos de diversão, odiando sua existência ao constatar que mesmo assim não passou e que o seu tempo, desperdiçou. Mas em sua essência de só enxergar o que perdeu, não percebe que, de igual forma, algo ganhou. Que as noites sem dormir não foram em vão e que o conhecimento adquirido, a duras penas, a experiência atravessada, o fortalecimento da alma, permanece.

Por meros segundos um atleta perde o primeiro lugar, mas em troca, ganha a satisfação pessoal de ter tentado, competido e seu recorde particular, ultrapassado. Por poucos reais o vendedor perde a licitação mas, vivo e otimista, sai de dentro da sala, animado pela batalha contra os leões.

Por mais óbvia que seja a derrota, o soldado vai a batalha, defende a bandeira, honra a nação, protege a familia, luta ao lado do irmão. Perde a batalha, conhece a derrota mas, seu dever para com os outros, não abandona, não.

Não é um mundo só de perdas e ganhos, mas também de trocas justas, muitas das quais não percebemos, tampouco conseguimos enxergar. Pois o mundo só enxerga a perda, a derrota, o fracasso e a aflição. Não enxerga que as vezes, é preciso perder hoje, para amanhã encontrar a solução.

Até o dia em que finalmente conseguirmos enxergar, viermos a aprender que fracassar não é o fim da linha, tampouco a destruição da razão. É o começo da crise, uma nova missão, a abertura para novos caminhos, quando temos uma nova visão - se formos capazes de amadurecer a tal ponto - que nos leva a novos rumos, novas oportunidades.

Perder é bom. Nos mostra o erro, onde falhamos, onde melhorar. Aponta o caminho que longe de ser errado, não era o "tão ideal" que assim enxergavamos. Abre nossos olhos para o que devemos relevar, quebra nosso orgulho em não admitir falhas que poderiam ser evitadas se admitissemos que não somos perfeitos demais para... errar.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Ir e Vir

- Não.

Olhos marcados, conseqüência natural da vida que levou, se recusavam a enxergar além do que conseguiam vislumbrar. Não por serem incapazes de tal ato, mas por saberem há muito o que se encontrava além e aquém.

- Tá.

"Tá"? Isso não era resposta. Talvez um "entendo", "respeito sua opinião" e até um "você é quem sabe"... mas não um "tá".

- Então, "tá". O que você vai fazer?

- Ficar por aqui mesmo.

- Aqui?

- Sim. Posso?

- Tá, né... digo... sim, não tem problema, pode ficar por ai, não vou a lugar algum mesmo, nem está me incomodando.

- Nãozinho? Tá okay, vai um chocolate?

- Tá, herrrr.... Sim, aceito. Desculpe se não tenho nada para te oferecer, okay?

- Tá.

- Não tem problema? Tá tudo... digo, tem certeza?

- Aham. Não tem problema não, eu estou bem - e se senta no chão, cruzando as pernas.

- Então, tá... Argh!!! - ela bate em sua cabeça. Aquele vicio de linguagem iria se tornar sua perdição - e o seu dia, como foi?

- Foi bom, correu tudo sem problemas, e o seu?

- O meu foi normal, sem nada de especial, tudo tranqüilo.

- Tá.

-...

-...

- ...

- ...

- ... Vai fazer o que amanhã?

- Caminhar um pouco, a estrada é longa e eu tenho pressa em chegar aonde preciso chegar.

- Se está com pressa, por que não vai logo? Não está perdendo tempo aqui?

- Mas eu estou andando, não percebeu? E você também.

- Tá.

- ...

- ...

- ...

- ... como assim, está andando? Estamos parados, não estamos?

- Sabe o que é rotação e translação, não sabe?

- Bobo! Não me refiro a isso, mas... hmmm.... ah, você entendeu! Como posso estar andando, se estou parada?

- O mundo está em movimento. Você está nele. O mundo gira em torno de si mesmo. E além disso, ao redor do Sol.

- Isso não conta como movimento.

- Claro que conta. Só por que você não aceita uma coisa, não significa que ela deixa de existir.

-Obrigado.

- Tá.

- Grrr! Importa-se de parar com isso?

- Isso o que?

- Esse seu vicio de linguagem!

- Venha até aqui e me faça parar de falar.

- Péssima tentativa, moço.

- Você não quer sair dai mesmo? Vai ficar parada ai o resto da vida?

- Não.

- Ah, então pretende se levantar em algum momento?

- Sim, pretendo sim, mas não agora.

- E isso seria...?

- Algum dia.

- Essas suas frases são capazes de levantar até um defunto, sabia?

- Se não tem paciência, pode seguir seu caminho. A estrada é grande, não tenho tanta pressa assim e não vou te odiar por isso.

- Opa, opa, opa... algum problema? Falei algo que não devia?

- Não, moço. Você não falou, é de sua índole ser assim, não precisa se preocupar.

- Mas o que foi que eu fiz, então?

- Nada, pode ir, não vou te impedir.

- Ai ai... vem comigo, moça! Ficar ai parado o tempo todo não vai te levar a lugar algum. Olha só para a estrada, linda, reta... infinita! Vamos, não tem curiosidade em saber o que tem além dela?

- Não, moço - ela lhe dá as costas, fazendo o mesmo para a estrada - eu não quero.

- Não quer sair daqui, ou não quer seguir pela estrada?

- ...

- Eu acho que toquei em um ponto chato, mas tudo bem, sutileza nunca foi o meu forte mesmo.

- Você é sutil sim, mas também é muito insistente, meu caro, e não se toca quando está passando da conta.

- Tá dentro do pacote!

- Não, moço... e não insista, eu não vou. Não quero, não pos...

- Hã-hã! Diga que não vai, não quer, mas nunca que não pode. Nós sempre podemos fazer o que queremos, sempre.

- Definitivamente nós levamos vidas completamente diferentes, moço.

- Pode me apontar a diferença?

- Eu já ouvi essa história antes, não insista, por favor. Sei o que vem por ai, sei o que vou encontrar logo à frente.

- Sabe? - ele observa a longa estrada que sumia diante de seus olhos - A vida é cheia de surpresas e...

- Eu já passei por isso antes, moço. Enquanto você enxerga um pedaço da reta, eu já a vejo por completo... conheço esse caminho, essa estrada, e não quero segui-la novamente. Sei dos buracos, dos deslizes, das depressões e das dificuldades que eu irei enfrentar se seguir esse caminho, ainda mais com você.

- O que tem eu?


- Tudo. Está assim, animado, empolgado... mas a estrada é longa, a reta é duradoura... uma hora você cansa. Está alegre, empolgado... mas os buracos no meio do caminho vão te irritar, a chuva incessante vai diminuir seus ânimos e, se ainda assim nada disso for o suficiente, os campos verdes, as montanhas infinitas, as quais sempre estarão do seu lado acompanhando-o para onde for independente do quanto ande, o aborrecerão, chatearão e, por fim, o farão desistir. E quando isso acontecer, serei eu mais uma vez seguindo sozinha por essa estrada, desiludida por que me dei ao luxo de acreditar que poderia ser diferente, que essa história não teria o rumo de antes.

- Moça...

- Eu sei o que está pensando... esta pensando que eu sou uma fraca, que tenho medo. Pode falar, acha que eu sou uma covarde, não é? Eu sei disso, nem tenho como te culpar, não é a primeira vez que isso acontece.

- Moça...

- Você sabe o que é fazer planos e interrompê-los? Eu prefiro ficar aqui onde estou, moço. Sem planejar, sem pensar mais a frente do que deveria... sem me ferir e me machucar. Pode falar, eu sou uma boba, não sou?

- Eu sequer posso dizer uma coisa dessas, mas... você não pode dizer uma coisa dessas.

- Moço... você prestou atenção no que eu acabei de dizer?

- Prestei, sim! Mas o que você quer que eu faça?

- Eu acho melhor pararmos, antes que comecemos algo que nos faça muito mal.

- Você acha que eu penso mal de você?

- Não, moço... mas eu ando devagar e, muitas vezes, por caminhos diferentes dos que eu quero, mas sim os que são os melhores e mais adequados a serem seguidos. Mesmo que eu me levante e resolva seguir essa estrada, por quanto tempo você vai andar comigo? E quando você se cansar de andar sempre pela mesma estrada, ver as mesmas paisagens e resolver tomar outro caminho, mudar de direção e eu não puder ir com você?

- Já parou para pensar que talvez eu tenha pensado nisso?

- Você não está entendendo... você fala isso agora, mas eu já trilhei esse mesmo caminho várias vezes, estou nessa estrada há anos.

- Eu também.

- Não, não está. Você pula de estrada em estrada, volta para antigas e conhece novas.

- Já parou para pensar que eu possa ser capaz de entender o seu drama?

- Eu já ouvi isso antes, moço... muitas vezes. Não é que eu seja teimosa...

- ...é que você não quer se machucar, andar e se dar conta de que está sozinha, como tantas outras vezes. Tá, entendo o que você quer dizer. A sua estrada é longa, muito extensa, se perde no infinito e, mesmo que não tenhamos nos encontrado antes, eu já passei por aqui, minto, vivo passando por aqui. Eu vou para lá, volto para cá, mas algumas estradas você não pode evitar, sempre está passando por elas novamente. E novamente. E novamente. A minha estrada pode parecer mais ampla do que a sua, mais "livre", mas ela tem também seus poréns, porque se por um lado eu tenho a opção de escolher estradas melhores e mais curtas, por outro eu tenho justamente o peso da escolha e ter que arcar com as conseqüências delas.

- Pelo menos você pode fazer suas escolhas baseada no que você quer, não no que PRECISA ser feito. Pode se dar ao luxo de sair e escolher para...

- Também não é assim... talvez eu não enxergue tão longe o caminho que eu tenha pela frente como você faz com o seu, mas não significa que eu seja descuidado, pois a mesma cautela que você tem por saber onde pisa, eu tenho justamente por não saber onde piso, dando um passo de cada vez, conhecendo melhor o caminho. Se por um lado você abdica parcialmente do seu direito de total escolha e livre consciência pelo bem da segurança, eu opto por arriscar o desconhecido. Perigoso? Tanto quanto a sua estrada, pois ela carrega um grau de responsabilidade tamanho que me obriga a pensar em cada passo, cada movimento, cada caminho paralelo e transversal que passa diante de mim, fazendo-me pensar calmamente e atentamente se é válido mudar minha direção ou seguir em frente, independente do quão tentador a outra estrada possa vir a ser.

- ...


- Sabe de uma coisa? Vou te contar um segredo: a menor distância entre dois pontos é uma reta... mas o que têm além dessa reta? Tem muito verde, montanhas e chuva. Mas nem sempre o verde é apenas verde, podemos encontrar vales no meio deles. As montanhas não são todas iguais, não vê o "Dedo-de-Deus" para provar a beleza das montanhas e das serras? E o que te faz pensar que toda chuva é um temporal? Nós moramos na terra da garota, e o Pedrão nunca esquece da gente depois que termina de lavar sua cidade favorita. E depois... quem disse que essa reta é infinita? Quem disse que tudo vai ser igual às outras vezes, que sempre será a mesma coisa sempre... e sempre? Lembre-se que toda pista, por mais extensa que seja... tem suas curvas. E a cada curva que você toma, a cada parada, você nunca sabe o que vai encontrar. Pensando bem, você pode até tentar, mas nunca saberá todas as surpresas que vai vislumbrar e...

- Você fala demais, sabia? - ela passa um "zip" na boca dele, fechando-a - já entendi o que você quis dizer desde a parte do "independente do quão tentador", viu.

- Hmgmhmgmmggh!

- Bobo!

- Ok - ele se afasta um pouco - eu vou ficar um tempo aqui mesmo e...

- Pra que? - ela se espreguiça, ajeitando seu cabelo e olhando para a estrada - Já descansei bastante, e ainda tenho muito que andar. É perda de tempo ficar descansando mais do que isso, já que o mundo gira e a gente, junto com ele.

- Posso acompanhá-la, moça? - Ele estende seu braço em sua direção. Ela o olha de lado, sorrindo de forma meio matreira, meio infantil para ele, alternando para uma expressão série e, por último, descontraída.

- Tá.

Fim.

sábado, outubro 08, 2005

História Perdida


Estranho pensar que aquela tarde já estava chegando ao fim. Podia lembrar com perfeita exatidão de cada detalhe acerca do que aconteceu, o que conversaram, as coisas que viram... tudo.

Não queria sair naquele dia, nem estava com tanta vontade assim. Ligou dias atrás para seu amigo para marcarem de se encontrar um dia desses, colocarem a conversa em dia, já que fazia tempo que não fazia aquilo... mas acordar no sábado com um telefonema dele, perguntando se podia ser justamente hoje, não estava nos seus planos.

Não que estivesse reclamando. Quando pensava que não queria sair, não era no sentido de que odiava a idéia, mas... sabe quando você está naqueles dias em que não quer sair de casa, prefere ficar na cama, vendo filmes, jogando videogame e baixando filmes educativos no computador? Pois bem, era o caso, mas como tinha noção de que talvez não tivessem uma outra oportunidade tão cedo, resolveu ceder e aceitar a oferta.

Não fora uma tarde desagradável, pelo contrário: Celes era um velho amigo e, na verdade, era difícil terem um tempo para colocarem as conversas, segredos e confidências em dia, os velhos papos de todos os anos que, com as responsabilidades, os compromissos e contratempos da vida, vão ficado sem tempo para serem compartilhados. Mas ele sabia o motivo do convite justamente para aquele momento, na verdade, do grande interesse dele.

Conversaram sobre muita coisa, muitos assuntos, muitos pontos. Coisas que estavam acontecendo, o que outros amigos estavam fazendo da vida, o que cada um estava fazendo da sua própria vida, enfim, como se fossem dois amigos que não se viam há anos - não tanto, obviamente, mas há considerável um tempo - apesar de morarem na mesma cidade e seus itinerários diários cruzarem um com o outro freqüentemente.

Foi um passeio proveitoso. Tinham marcado de se encontrar em frente a Siciliano, que ficava dentro do Edifício Avenida Central, no Largo da Carioca, sob a vista do eterno mosteiro de padres franciscanos. Passaram alguns momentos conversando ali dentro, sendo envenenados pelo cheiro industrializado do fast food local até que, forçados a saírem por forças superiores - o horário de fechamento do local devido ao fato de não ser dia útil - começaram a caminhar lentamente, bem lentamente.

Alguns passos e já estavam na Praça XV, Não lhes escapando o fato de que aquele local estava relativamente movimentado para um final de semana. Depois das obras naquela localidade e do desvio para o subterrâneo do trânsito, skatistas e outros esportistas aproveitavam o imenso espaço que ficava em frente às barcas para se divertirem.

A conversa rendeu dali por diante. Mesmo quando adentramos no Museu da Marinha e fizemos uma rápida visita ao submarino - diga-se de passagem, uma das maiores piadas locais depois que, em certo dia, "afundou" - a conversa já tinha tomado um rumo definitivo: escrever. Há tempos Celes batia na mesma tecla, me convidando para rachar uma obra literária com ele, usando diversos argumentos - muitos dos quais, totalmente justificáveis - e dentre eles, o meu favorito era "precisamos de um re-avivamento literário infantil por aqui. Nem só de Harry Potter's vivem as crianças, nossa cultura tem potencial para histórias de aventura, ação e tanto mais para incentivar as crianças do país, sem terem que apelarem para o que vem de fora”.

Confesso que, mediante tais argumentos, fica difícil dar uma resposta à altura mas, como falei, é ver para ver no que isso vai dar. Mas até que as idéias que trocamos naquele dia foram muito proveitosas. Claro que ter visto uma pequena peça no Museu da marinha dirigida para crianças teve sua parcela de culpa, mas... fazer o que, né? Inspiração vem e vai, e é melhor pegá-la quando ela passa perto de você, antes que ela vá embora e não volte tão cedo.

- Celes... que prédio é aquele? - perguntei por mera curiosidade, logo após termos passado na volta pela Praça XV, atravessado a Rua Primeiro de Março e visto um prédio bem antigo de estrutura colonial.

Claro que antes uma placa na Primeiro de Março que eu nunca tinha visto antes me chamou a atenção.
- Sei lá - ele respondeu sem a menor cerimônia. Estávamos no inicio da Rua Sete de Setembro e eu sequer imaginava que prédio, melhor dizendo, construção/casarão era aquele. - Por que quer saber?

- Fiquei curioso... nem imagina?

- Nops, deve ter sido alguma coisa no passado.

- Dãaa! Gênio, claro que foi alguma coisa, ainda mais no centro da cidade! Tem cara de ter sido algo a ver com comércio, Direito ou sindicato.

- Nossa, que previsão perfeita! Mãe Diná que se cuide!

- Engraçadinho! Fiquei curioso!!! Eu não sei que prédio é esse!

- Mas por que a curiosidade, ora pois?

- Ah, curiosidade mesmo, né? Pombas, aposto que no tempo dos nossos avós, alguém não saber que prédio era esse devia ser motivo de zoação!!! O cara seria chamado de burro!!

- Provavelmente. Com o tempo as pessoas esquecem das coisas, dos nomes dos lugares - eu parei, olhando para trás e observando os arredores. Uma rápida análise revelava que aquela área do Centro urbano do Rio de Janeiro já fora mais do que aparentava ser – O que foi?

- Nada, eu... fiquei preocupado. Sei pouco sobre este lugar.

- Como não, ora pois? Aqui é a Sete de Setembro, se virarmos à direita, vamos sair na Rua da Assembléia, seguindo em frente vamos dar de cara com a Rio Branco, seguindo mais um pouco, cruzamos com a Uruguaiana e no fim, com a Praça Tiradentes e...

- Não Celes, quer dizer... bateu um aperto aqui.

- Sobre o prédio?

- É... a gente não tava falando há pouco sobre a cultura do país, sobre valorizarmos a nossa cultura? Bem, a história entra junto nisso, não acha? E como podemos falar disso, se nem ao menos conhecemos a história de um lugar.

- Hmmm... é verdade... a maioria das coisas que eu aprendi sobre o Centro da Cidade foi na escola, mas só por alto. Os movimentos estudantis, as intervenções militares, os ataques, os prédios do governo... mas não dos detalhes.

- A história local. Fiquei um pouco assustado com isso agora.

- Eu também - Celes continuava andando, enquanto nos aproximávamos da Avenida Rio branco - agora que você tocou no assunto... as pessoas vão se esquecendo das coisas, dos lugares.

- E eu não sei? Quando a gente passou na Primeiro de Março, vi uma placa falado sobre aquela rua, algo a ver com a Guerra do Uruguai ou do Paraguai, algo assim... eu nunca tinha estudado nada disso na escola, nunca. Quer dizer, não me refiro as guerras, mas sobre a história de cada rua. Cada rua conta uma história... a gente só aprende as coisas por alto, mas não os detalhes, as coisas mais importantes. Que rua é essa? Sempre teve esse nome?

- Rua Direita, eu acho.

- Como?

- A Primeiro de Março, acho que se chamava "Rua Direita".

- Tirou essa do fundo do Baú, heim!!!

- Fora que Estácio de Sá fundou a cidade em primeiro de março de 1565, lembra?

- Disso eu sei... mas eu acho que a origem do nome não é por ai. O que eu quero dizer é que fiquei um pouco assustado com isso de, aos poucos, perdermos nossa cultura, nossa identidade. Por acaso o Brasil não é feito de pessoas e lugares, cada lugar com sua história local, contribuindo como um todo. Se hoje não sabemos o que aconteceu onde moramos, o que dirá de amanhã?

- Você comentou algo assim por e-mail sobre o seu bairro...

- E me assustei! Estava caminhando outro dia pela Quinta da Boa vista, lembra? Era só um passeio quando, do nada, encontrei uma placa praticamente escondida e sem nenhum destaque, na qual dizia que aquele local aonde a Família Real habitou e todo o Bairro Imperial eram, bem... uma aldeia. Pode imaginar quantos índios viviam ali?

- E você não sabia disso?

- NÃO! Nunca soube, nem na escola aonde fiz o primário contaram isso... por quê?

- Não devem ter achado importante ensinar isso para a gente.

- Quantas pessoas sabem disso? Nem uma estátua, um referencial... apenas uma pequena placa abandonada, largada em um canto esquecido e quase que totalmente coberta pelo mato. Sabe como eu me senti na hora? Comecei a prestar atenção em quantas pessoas de feições que antes eu julgava serem de orientais vivem por ali, todos descendentes de índios.

- Isso me lembra aqueles livros do tipo "Santana do Agreste conta a sua história", aonde as pessoas contam a história de sua cidade. Isso é bastante comum em cidades do interior, onde todos se conhecem e a tradição é passada de boca-em-boca.
- Uma tradição que foi se perdendo por aqui. Minha mãe não sabia da aldeia. Nem meu pai. Literalmente falando, é história perdida daquele lugar.

O assunto já tinha se tornado o foco da conversa, justamente quando eu achara que a tarde estava para terminar. Perdemos a hora, a noção de quanto tempo ficamos debatendo sobre aquilo. Conhecíamos um ao outro o suficiente para sabermos que tal assunto nos acompanharia por um longo tempo, sendo revivido constantemente. Bem ou mal, ambos tínhamos uma veia patriótica afiada, pronta para defender o lugar aonde morava, e aquilo era um assunto que me incomodava... que nos incomodava.

O que aconteceria dali por diante? Ia totalmente contra o conceito que eu tinha de que as pessoas precisavam entender o que aconteceu no passado para evitarem os erros do futuro. Se formos incapazes de preservamos as origens de um lugar, a ponto de a deixarmos ser perdida pelos anais da história, o que diria da história de nosso país?

Uma pessoa havia dito que um país é feito de homens e letras. Deveria ter acrescentado que também é feito do conhecimento que as pessoas que vieram antes de nós deixam para aquelas que estão pro vir. Conhecimento que, pela atual conjuntura, estava se tornando parte de um passado esquecido.

Ou, se dependesse dele, quase.

Qual fora o nome de sua rua? O que era antes o Largo da Cancela e do Pedregulho? E o que mais a vinda da família real destruiu da história daquele lugar? Seria interessante descobrir, pensava. E, pensando bem, vendo as coisas por esse ponto de vista, talvez nem tudo estivesse perdido, afinal, de uma simples conversa, lhe fora despertado um interesse que antes ele não possuía. E, enquanto houvessem pessoas com essa vontade de manter viva a memória de um local, por igual tempo ela existiria.

Pois mesmo que se passassem anos e anos, pessoas nascessem e morressem ali, era um morador do Bairro de São Cristóvão, e o seu simples interesse em saber de sua origem, suas lutas e seu desenvolvimento, era uma prova de que o trabalho que muitos que vieram antes dele - que se preocuparam em deixar algo registrado de alguma forma, para que os que viessem depois soubessem tudo o que aconteceu, como surgiram – não foi em vão.

domingo, outubro 02, 2005

O Príncipe Atrapalhado

Ora, e qual não era a surpresa do príncipe ao encontrar, em meio à selva urbana, o palácio da princesa, o castelo encantado de tão belo e formoso ser?

Timidamente ele abre as portas de tal moradia - não sem antes bater com cuidado, um dia de cada vez, até que alguém finalmente notou sua presensa e permitiu que ele ali entrasse - contemplando tal moça, perdida em suas divagações.

Perdida? Tola palavra, péssima escolha. Só ao adentrar no magnífico palácio particular pôde entender a infelicidade na escolha de palavras diante da face da lady, a qual ela de longe e, muitas vezes até mesmo de perto, muitos não tinham o deleite de contemplar.

Ora, sendo enlaçado por tal ambiente e o que mais o rodeava, como não ficar enfeitiçado e consumido por um desejo sublime de, em retribuição ao momento que lhe fora concedido, compartilhar com ela seus domínios, seu campo de viagens, o lugar no qual sua mente voa e liberta-se das amarras do cotidiano e torna-o um rei de sua vida, soberano de suas vontades e príncipe de tudo o que pudesse ver?

Mas, tal qual o título que o precede, o príncipe era atrapalhado. Preocupou-se mais com o que seus olhos estavam enxergando, do que com o que realmente sabia, as coisas que viveu naquele período de tempo, as palavras que a doce voz de sua musa proferia e o significado delas.

Ora, o príncipe se preocupou em respeitá-la, não ofendê-la. Afinal, para ele uma mulher daquele nível, moradora convicta de tal estrutura, dona de uma distinção sem igual, tinha um orgulho e senso de liberdade à altura. E, por mais que o senso de cavalheirismo falasse mais alto, o príncipe não queria que ela se sentisse inferior a ele, tampouco ser superprotetor. Temia que ela de alguma forma se sentisse acuada, perdesse seu espaço para sua presença e, tal qual um príncipe moderno que trocou seu cavalo branco pela boa e velha Harlley, seguiu em frente tendo em mente que não desrespeitaria os seus (dela) princípios.

Com muito custo - e muito do que chamamos de Lábia - o príncipe a convenceu a visitar o seu espaço, seu "palácio". E como eram vastos os domínios do príncipe, isso ela pôde descobrir e se surpreender. Estendiam-se desde os prédios antigos - e muito bem conservados - do Centro do Rio de Janeiro, aonde ela teve a surpresa de descobrir desde o Convento de São Bento, até o que ainda perdurava da zona boêmia carioca, a famosa Cinelândia e seus prédios antigos, teatros tomados por prédios, restaurantes aonde haviam antigas construções que bravamente resistiam, passando pelo majestoso Museu de Belas artes.

Não obstante, ela pode admirar a beleza do Passeio Público e as palavras imortais de Antônio Conselheiro, representadas pelo Aterro do Flamengo, até contemplar o seu - e de tantos outros - castelo particular, também conhecida como "Casa de Getúlio".

A caminhada pelos seus domínios exauriu suas forças e, cordialmente, o príncipe a convidou para um "jantar nos tempos modernos", com direito a igualdade de condições. Reabastecidos e visivelmente animados, continuaram o trajeto, adentrando no palácio que na verdade era um museu, pertencente à República.

Tal qual a princesa fizera em seu palacete, o príncipe repetiu. Convidou-a para adentrar em seu mundo de sonhos, seu recanto de memórias não-esquecidas. A ela, compartilhou seus prazeres de juventude, suas memórias ali guardadas, explicando por que outrora alguém chamara tal lugar de "a ilha dos sonhos esquecidos", no qual cada príncipe e princesa abandonava a caoticidade da vida moderna e se entregava aos seus sonhos, depositando ali toda vontade, toda esperança, toda alegria e todo sentimento, dando-se ao luxo de navegar livremente pelos trajetos de suas imaginação, direito muitas vezes facilmente arrancado de cada um deles - e por que não dizer, nós - pela frieza da realidade e verocidade de cada dia. Trouxe a tona memórias antigas de tal forma que até ela pôde enxergar, compartilhar.

Em sua simplicidade, o príncipe mostrou para sua princesa por que é capaz de sonhar.

Inebriados com o ambiente, sua orquestra particular se fez presente, completando o ambiente com o melhor da música latino-americana, indo além dos tímpanos, atingindo a alma, tal qual sua própria musa comentou - para sua alegria - sobre a forma como tocava em seu peito.

Pondo-se o Astro-Rei, era chegado o momento da despedida. Adentrando na caravana metálica coletiva, cada um deles ocupando-se de garantir o seu direito à locomoção e, ao fim disso, tratou de garantir que ela tomasse seguramente o seu destino.

E, ao se despedir, pôde contemplar - não o que esperava - mas a verdadeira expressão da princesa. Não de tremenda felicidade mas, - por que não dizer - de preocupação e tristeza.

Como ele saberia? Como iria saber? Ficaria se perguntando o que houve, o que deu errado, onde errou.

Não saberia, a não ser que ela lhe contasse. Pois, em sua ânsia de agir de acordo com o que observara e não totalmente com o que ouvira, o príncipe procurou respeitá-la. Como iria descobrir que, em suas doces palavras, a princesa deixou escapar que queria ser agraciada? Talvez ela tenha dado a entender tal coisa, talvez tenha dito com todas as letras, a questão era de que de tal coisa, ele não se tocara: ela queria ser com delicadeza tratada. Era uma dama, uma moça e, durante todo aquele momento, havia enxergado os domínios dele assim como ela enxergava seu castelo de cristal. Não teria se ofendido se ele aflorasse seu cavalheirismo, seu jeito protetor.

Não se ofenderia em ser tratada com todos os carinhos e mimos, com todas as regalias e diversidades.

Não que isso significasse que abrisse mão de seu orgulho, de sua dedicação, de sua liberdade e independência em prol de uma pessoa. Longe de seu castelo enfrentava a dura tempestade que atingia furiosamente a selva urbana, jogando na cara de cada um a frieza que a cerca, merecendo o título de "tempestade das ilusões".

Mas, por ele, não se sentia incomodada em ser tratada assim, como um ser que precisava de cuidados.

Por ele, e somente por ele, não se importava em ser tratada como uma princesa.

João Olinto
01/10/2005

sábado, outubro 01, 2005

Vitrais do Centro Cultural Banco do Brasil

Tão belos e lindos, perfeitos em sua concepção. Vitrais, espelhos da realidade que aflora dentro de cada um de nós, reflexo de nossos sentimentos, de nossos desejos, sonhos e realizações.E cá estou eu, mero mortal, que fui agraciado com a chance de observar a linda princesa, em seu magestoso conforto e descanso, observando os vitrais, sendo levada para um mundo de sonhos e, assim como tantos, que não seja de desilusões. Agraciado e honrado por ver o momento em que o patinho feio se transforma no Cisne, em que a rosa se abre, o lindo peixe nasce. A mim fora concedido um presente, a graça de poder ver, em meio a todas as confusões, desavenças, desiluções e temores da vida, uma bela entrar em um palacete e, ao contemplar a beleza de seu castelo particular, transformar-se em princesa, na qual ela adentra em seu mundinho particular, seu cantinho secreto, seu antro de alegrias e boas memórias, oriundas de um tempo que não volta, mas que se tornou inesquecivel a ponto de lhe dar forças para um novo dia, um após o outro.